13.5.10

Católica?

Nunca sei muito bem o que responder a esta pergunta. Acho que tenho as minhas próprias crenças, sem sentir necessidade de as rotular.
Fui criada numa família cristã e cresci num colégio Salesiano até ao 9º ano. Todos os dias tinha o "Bom dia", em que alunos e (alguns) professores se reuniam, cantavam e faziam uma leitura com palavras de reflexão. Eu gostava, acho que era uma forma de nos acalmar e comigo resultava. Às quartas-feiras era a missa, da qual eu também gostava, sendo feito por e para crianças é diferente. E ao Domingo, lá ia eu e a minha irmãzinha à missa do meio-dia, que às 11h era muito cedo. E embora nunca tenha achado grande piada ao padre da paróquia, que gosta de mandar bitaites do cimo do altar para o povo, continuava a gostar de ir à missa e na hora do sermão desligava e tinha a minha própria conversa com Deus, com Nossa Senhora, com Jesus, com o meu anjinho da guarda e com o meu avô que nunca conheci. Confessava-me e comungava. Rezava 10 avé-marias a Nossa Senhora sempre que me confessava e lembro-me que os meus pecados eram qualquer coisa como: não ajudei a minha mãe a pôr/levantar a mesa; fui má para a minha irmã; disse uma asneira (era raríssimo...e sabia lá eu o que eram asneiras a sério!) e por aí fora. Acho que toda a gente que me rodeava eram os ditos "católicos praticantes", excepto o meu pai que de praticante não tinha nada, e nunca percebi muito bem no que acredita, mas sei que acredita.
Todos chegamos a uma fase na adolescência em que questionamos a religião, não sei bem como chegou a minha, mas lembro-me que as aulas de história foram uma ajuda. Troçávamos dos povos que acreditavam no deus do Sol, que faziam danças para que chovesse, no deus da lua, deus do fogo e por aí fora. Porque não faziam sentido os deuses deles e o nosso faz? Pensei na altura que os deuses se iam adaptando ao povo em questão e que não eram mais do que o inexplicável. Tudo o que ficava para além do conhecimento e domínio humano era gerido por uma força do além, por um ou vários deuses. Seria o nosso igual? A verdade é que os "milagres" são muitas vezes coisas inexplicáveis à luz dos nossos conhecimentos científicos, portanto atribuímos o feito a um santo ou a Deus (ensinaram-me a escrever com letra maiúscula o nosso Deus e com minúscula os "outros" deuses, acho que fica mal a discriminação a qualquer crença, mas tudo bem...). E coisa que sempre me irritou foi "Deus é misericordioso", mas se fizeres asneiras "Deus castiga e vais para o inferno", decidam-se se faz favor. Mas a justificação que mais comichão me faz é "Deus dá a liberdade ao Homem para fazer as próprias escolhas", assim tudo o que vem de bom é Deus, a porcaria vem só e apenas de nós próprios. É verdade esta última parte, mas também é verdade que o bom não é "graças a Deus!", é graças a nós! Ao que me respondem "mas tens saudinha e isso é graças a Deus". Tudo bem, não contesto, porque cada um acredita no que quer. E no fundo ao que uns chamam sorte, outros chamam intervenção divina. Eu, honestamente, tenho as duas fases. Já tive uma fase puramente católica, outra puramente ateia. Agora ando ali algures no meio. Acredito nas pessoas e acredito que há alguma coisa para além de nós. Acredito porque me conforta. E acho que a religião também passa muito por aí, conforta acreditar que as coisas não acabam depois da morte, conforta acreditar que não estamos sozinhos, conforta ir a Fátima a pé na crença de uma cura miraculosa para um caso que os médicos dizem não ter solução. E se a fé é isto, então eu creio. Gosto de acreditar, não sei explicar porquê, mas gosto.
Não gosto das rezas e ladainhas em coro só porque tem que ser. Não gosto do Deus que dizem que castiga. Não gosto que as pessoas acreditem nesse Deus e que O temam, acho isso uma grandessíssima ironia, e conheço demasiada gente assim. Não gosto destas coisas mas respeito. Não gosto da Igreja como está. (Também me ensinaram que igreja é o edifício e Igreja é o povo e o padre.) Gosto de ir a Fátima e sentar-me em silêncio na capelinha das aparições, não para rezar, pedir ou agradecer, mas só para ficar ali, há uma certa paz que me enche as medidas naqueles momentos. Gosto de fazer o mesmo quando entro em qualquer igreja. Não gosto de missas, não gosto porque já ouvi aquilo muitas e muitas vezes, já conheço quase todas as leituras e porque a única coisa que poderia ser diferente, não o é. Pelo menos o padre aqui da paróquia dizia sempre a mesma coisa, dando a volta ao texto, qual político. Não gosto dos dinheiros que envolvem a Igreja, não gosto das riquezas de muitos padres que apregoam uma vida humilde. Não gosto de ironias. Irrita-me que Fátima seja cada vez mais um antro de dinheiros. Irónico.
Gosto de S. João Bosco, porque lhe conheço a história. Gosto de saber as histórias dos santos, gosto que as pessoas acreditem em pessoas reais de tal forma que contribuem para a sua beatificação, ao invés de acreditarem só no Deus que não se vê, mas diz-se que se sente.
Enfim, acredito em algo, porque gosto de acreditar. Agora se acredito no Deus que hoje se apregoa? Não. Se acredito na Igreja que quer moldar a mentalidade do povo à sua imagem e semelhança? Não. E acho inadmissível um padre iniciar a missa do galo com um "Se existisse o aborto na época de Maria, se calhar não estávamos aqui.". Pois, certamente Maria iria ponderar a questão. Isso não se diz meu sr., que falta de respeito. Onde anda a sua fé?
Enfim, e tanta coisa para dizer que há uma coisa que gosto mesmo. Gosto da procissão das velas. Gosto. Sim, também são rezas e ladainhas em andamento, com velas acesas, atrás de uma imagem num andor decorado com flores brancas. Pronto, mas eu gosto. Gosto do que sinto quando vou. Não sei porquê. Gosto da imagem de Nossa Senhora que nos dão a conhecer, porque é a figura de uma verdadeira mãe, que está sempre a postos para amparar, para ajudar e não há cá lugar a castigos, nunca ouvi dizer "olha que Nossa Senhora castiga!". Não sei porquê, mas independentemente da minha crença, nutro um carinho por esta Senhora. E acho que na procissão de velas da terrinha se concentra ali uma energia tal, que arrepia. Pode parecer parvo, se calhar até o é, mas no meio das rezas e cânticos sinto um silêncio que não sinto noutro lugar. E gosto do "adeus" emocionado, também não sei porquê, mas quando a imagem entra na igreja e o povo cá fora acena com os lenços brancos enquanto canta "Uma prece final, ao deixar-te Mãe de Deus, Viva sempre em minh'alma este grito imortal! Oh Fátima adeus, Virgem mãe adeus...", tenho que contrair todos os músculos que consigo para a lagriminha não cair. É contraditório? É sim senhor, mas realmente há coisas inexplicáveis.

3 comentários:

Carla Gouveia disse...

Eu podia fazer um comentário mais alongado, mas acho que já disseste tudo... é mesmo (quase) isso que se passa aqui dentro também. Eu sempre estive, de certa forma, ligada a "crenças", às coisas que costumamos dizer que nos ultrapassam. Tu sabes. E como orgulhosamente me considero uma pseudo-autista (com todo o respeito), todos esses ditos fazem parte do meu mundo. Partilho-os quase todos, até o "bom dia". Ou não andassemos no mesmo colégio... Mas invejo-te numa coisa. A tua "fé". Nunca chorei na despedida de nossa senhora... às vezes dava-me jeito acreditar mais...

Dulce disse...

Olha, já eu digo que sou cristã, sem qualquer outra denominação. Nem católica, nem evagélica, nem...
Gosto do Deus quem creio, um Deus maternal que também não castiga mas consola. E embora eu reconheça que é contraditório, acredito que todo o bem me vem de Deus, e o mal não.

Sofia disse...

Opinião deliciosa =) também tive a minha fase de "descrença" e por vezes ainda tenho em certos aspectos. Mas partilho o que tu sentes: gosto de acreditar =)