25.7.10

Parabéns (?)


Olhei para o relógio e já passa da 00h, já é dia 25 de Julho. Um dia que costuma ser marcado por uma festa, uma prenda, um telefonema especial, muitos beijinhos, daqueles seguidinhos e repenicados , que sempre foram a sua marca especial.
Faz hoje um ano que obriguei a malta a acabar mais cedo as férias no Algarve e atravessar o país para chegarmos a tempo da grande festa. Ah pois, que 90 anos são 90 anos! E nem toda a gente se pode dar ao luxo de aos 90 estar aí fina para cumprir a promessa de oferecer um almoço à família toda, que não é pequena e já conta com duas bisnetas. E, como valeu a pena a viagem pela noite dentro, para ver a sua satisfação! Contida. Mas pura. Não caiu uma única lágrima ao ver o belo vídeo de homenagem, com fotos de toda a família desde a única da sua avó, a única da sua mãe, poucas da sua juventude, aumentando depois o número à medida que o tempo passou e a família cresceu. Não caiu uma lágrima ao apagar as velas ou a receber as prendas. Mas amou tudo, tenho a certeza. A prenda dos netos foi a melhor, claro, e sabemos que gostou quando mostra o álbum digital com fotos do 90º aniversário a cada alminha que entra em casa. Sempre pensei que com o tempo ficássemos mais sensíveis, mais maria madalenas lá por causa das hormonas e coisas. Mas a verdade é que a vida também nos enrijece, não é? E com tudo o que passou, ter-se-ão as lágrimas esgotado? É bem provável. Porque não é qualquer sra. que ainda com uma de 6 filhos em casa, sem emprego remunerado e com uma vida pela frente, tem a coragem de pôr as malas do marido à porta. Divórcio era pecado na altura, o papel não existiu, mas a atitude prevaleceu e eu orgulho-me disso. Nunca a vida lhe reservou facilidades, mas numa casa com 2 camas de casal e 1 de solteiro criaram-se ao mesmo tempo 6 filhos, com um marido de corpo presente. Uma sardinha dava para 6 e pão era em tempo de festa. Casa de banho era coisa de ricos e uma bacia, o tanque e mangueira sempre fizeram o seu serviço. Os filhos ajudaram-se a criar uns aos outros e a mãe foi mãe e pai. Foi faltando muita coisa, mas havia um tecto seguro e o colo de uma mãe incansável. Os filhos cá estão para contar a história e agradecer e asseguro-lhe que se sentem realmente gratos. Depois vieram os netinhos, uma ninhada deles. Eu, felizmente, sou das felizardas que ficaram a viver na mesma terra que a avó. E tive direito aos primeiros banhos com a mão segura de uma avó, a piqueniques na Serra das Meadas, a bolachas cada vez que ia lá a casa, (ainda hoje sei ir direitinha às latas, até de olhos fechados), a pirilampos (sempre achei piada à colecção que está lá pendurada na parede), ainda me lembro de me ensinar a diferença entre o miolo e a côdea, que para mim era só uma coisa - broa... Lembro-me da confusão que me fazia ter que tratá-la por sra., de ser repreendida se errava a conjugar um verbo e a coisa me escapava para a 2ª pessoa do singular. E depois era "a avó quer?", mas não podia ser "você quer?", isto parecendo que não confunde os neurónios de uma miudinha de 3 ou 4 aninhos. E de me olhar de lado e repreender de fininho durante uma tarde por não saber se ia votar ou não, porque nem lhe interessava se era pelo seu partido, tinha era que votar, que é minha obrigação e não podemos deixar o país no abandono. E eu fui. Eu ia, só estava indecisa. Coisa que a avó não poderia entender, não fosse das pessoas mais cultas que conheço, sabedoria que veio com a vida e a obsessão pelas notícias, que a minha mãe herdou. E as prendas? Desde que me lembro de existir que recebia 1000 escudos nos anos e no Natal, a surpresa era nenhuma, mas mil escudos davam para tantos gelados e pastilhas elásticas! Tantos que os meus pais até punham o dinheiro no banco. Depois chegou a altura dos euros, os meus pais já não os depositam nem eu gasto tudo em gelados, vou guardando e depois compro algo, mas sei que foi a avó que me deu. Sempre ouvi os meus amigos dizerem que os avós lhes davam quantias que eu precisaria de anos para amealhar, e reclamar disso. Eu sempre me orgulhei dos 1000 escudos multiplicado por 10 netos, mais um neto recente e duas bisnetas e 10.000 escudos para cada um dos 6 filhos! Porque sei que envolve muita poupança e sacrifício. Aliás, palavras que marcam uma vida. Uma vida cheia de obstáculos, mas também muitas alegrias. Eu diria que são 90 anos bem positivos, não acha avó?
O último ano é que nem tanto. Porque é dura de roer, mas ninguém caminha para novo e o corpo começa a ceder à idade. E de repente uma pessoa independente e vigorosa, que nunca foi ao hospital, teve que recorrer às urgências, ficar internada, passar a noite nos cuidados intensivos, passar o Natal em casa, voltar a ficar internada, voltar a casa, mas não à sua. Precisar agora que a ajudem a tomar banho, lhe preparem as refeições, a vistam... E depois quando as coisas parecem melhorar um bocadito, a força nas pernas fez das suas e a queda não ajudou à situação. Não imagino o sofrimento de alguém que passa uma vida de luta, saindo vencedora, deixar de ter força e vontade para lutar. Porque a alma é mais forte que o corpo, mas não aguenta tudo e quando cada movimento é doloroso, a alma não resiste. E já chorei muito desde Dezembro ao ouvir "que Deus me leve", mas agora mais do que nunca, compreendo.
Há um ano, pensei que por esta altura estariam os netos a abrir os cordões à bolsa para pagar o almoço de família. Mas neste momento a única prenda que desejo é que essas dores acabem, não merece sofrer assim. Eu sei que a última coisa que quer neste momento é festejar os 91 anos.
Mas da nossa parte, um muito obrigada avó! Do fundinho do coração.

1 comentário:

DE-PROPOSITO disse...

Por vezes não somos nós que festejamos, são os outros.
Mas é a vida.
Felicidades para todos.